Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor… não cante O humano coração com mais verdade… Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade Amo-te, enfim, como grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo, de repente Hei-de morrer de amar mais do que pude. Vinicius de Moraes, in ‘O Operário em Construção’
(1913-1980)
Acho este poema genial e é talvez o poema de amor mais bonito e absoluto que conheço (lá está é amor total e pronto). Gosto do facto de o Vinicius ter conseguido encaixar estas palavras e estas ideias numa forma tão clássica e rígida como um soneto (como se fosse um formato legal!).
Penso que esta totalidade que o Vinicius descreve vem muito de alguma desmistificação do amor – tantas vezes cantado de forma romântica e floreada – como algo “sem mistério e sem virtude” algo animal, e por isso mesmo inevitável, puro e verdadeiro, porque inevitável. O amor deste poema é carnal (de tal forma que o poeta prevê morrer de “amarassim, muito e amiúde” no próprio corpo da pessoa amada por cansaço ou melhor por “amar mais do que pude”), mas é também um amor “como amigo e como amante” e afirma a sua continuidade não apenas por referir a “eternidade”, mas também porque reitera que ama “com grande liberdade” para sempre e “a cada instante”.
O que eu gosto neste poema é que – na minha opinião – quando o Vinicius tenta torná-lo real, o tenta tirar do reino do abstrato e do romântico ao abordar a sua animalidade, é quando o poema ganha mais força, ao tornar-se não um ideal mas praticamente uma inevitabilidade.